[Pesquisa apresentada na XXXVIII Jornada de Iniciação Científica, Tecnológica e Artístico Cultural da UFRJ]
Este texto visa investigar trabalhos de arte que empregam o tempo como parte de sua linguagem – enfatizando a performance, instalações e trabalhos audiovisuais –a fim de analisar os usos do tempo como elemento e fator de transformação de tais obras. Propõe-se como recorte teórico para a abordagem deste objeto de estudo três conceitos específicos de tempo, partindo-se de estudos bibliográficos de três autores principais que operam a noção de tempo de maneiras distintas e que se adequam ao conjunto pontual de trabalhos de arte a serem analisados distintos: “tempo messiânico” (Giorgio Agamben),“tempo como capital” (Paula Sibilia) e “imagem/tempo” (Gilles Deleuze).
Eu não lembro quando perdi minha mãe. Lembro-me de que já não era tão pequeno, devia ter uns 12, 13 anos. Lembro-me de que no mês (ou meses) em que ela ficou em coma. Passei um tempo na casa da minha tia, eu acho, talvez tenha imaginado. Mas me lembro bastante do dia em que recebi a notícia. Lembro que estava no carro com a minha tia e ela meio sem jeito me contou. Lembro que corri e parei numa praça, chorei bastante, depois subi e almocei na casa da minha prima. Comi strogonoff, e sempre que como, lembro-me dela.
A questão é que parece que nunca tive mãe, ou melhor dizendo, parece que sempre convivi com a perda dela. As lembranças que tenho dela se misturam em uma névoa de caráter onírico que distinguir as memórias reais daquelas que imaginei parece impossível. A perda, por outro lado, se faz concreta à medida que tenho de olhar fotografias para me lembrar da rosto da minha mãe, e, ao fazer isso, sou tomado por uma sensação melancólica de vazio. Isso é palpável então sei que é real.
Tais considerações pessoais podem parecer, à primeira vista, desconexas em relação à apresentação aqui proposta, no entanto, para mim, estão intrinsecamente interligadas. Ao estudar as noções de tempo dos autores que propus (Gilles Deleuze, Giorigio Agamben e Paula Sibila) percebi a profunda ligação entre tempo e memória, e também o caráter subjetivo do próprio tempo. Além disso, como pesquisador de um projeto de iniciação artística e cultural como o PIBIAC, sou estimulado articular minhas pesquisas teóricas às minhas práticas como artista, de modo que essas duas instâncias (teoria e prática) são fluidas nas minhas atividades como pesquisador; estão mutuamente implicadas entre si e à minha vida pessoal. Acerca disso, penso especialmente no performer tailandês Tehchinh Hiesh, um dos artistas cuja obra motivou esta pesquisa, pois ele diz que a vida é uma “sentença de vida”, a vida é tempo se passando, e, nesse sentido, achei pertinente iniciar esta minha apresentação citando minha própria vida que, de certa forma, não se distingue de nenhum dos trabalhos que faço.
Escolhi Hiesh pois ele é um artista que me interessa justamente por realizar esse processo que procuro sempre adotar, o de unir quase que inteiramente sua vida a sua obra. Em seus trabalhos de “one year performance” ele se propõe a experiências de um ano de duração que vão desde viver em seu estúdio sem falar, escrever, ou ver televisão até se manter amarrado um ano afastado da arte (sem ler, ver, fazer ou falar sobre arte). Essa dissolução da fronteira entre arte e vida me parece encontrar lugar na teoria de tempo messiânico tratada por Giorgio Agamben em seu livro O tempo que nos resta (Il tempo che resta: un commento alla Lettera ai Romani) na medida em que, como definiu a professora Alessandra Vannucci, “a experiência do tempo messiânico não é cronológica mas sobretudo uma transformação qualitativa do tempo vivido (...) uma transformação radical da existência”.
Essas noções messiânicas se dão ao passo que os tecidos temporais que distinguem as partes da vida se rasgam e a vida começa a ser um só fluxo, não mais segmentos compactados de praxis (que abordarei adiante). O tempo messiânico é o tempo fora da cronologia linear segmentada que nos foi imposta na lógica laboral do capitalismo industrial. É o tempo do agora eterno ou como define Agamben “o tempo messiânico não é o tempo do fim, não é o tempo do juízo final mas a relação de cada instante com o fim e com a eternidade”.
Essa nova abordagem do tempo que não implica uma cronologia linear e a criação de um outro tempo, um tempo “entre” os tempos que Agamben discute é onde consigo encontrar minha mãe. Depois que perdi minha mãe, sua lembrança é como um fantasma que me persegue, ou melhor dizendo, quando penso em minha mãe vejo um borrão em seu rosto, e palavras mudas no lugar de sua voz. Parece mais um personagem que criei do que alguém que conheci. Essa relação ficção/ realidade, memória/presente, é algo que encontro na obra de Agamben, e também na obra de alguns artistas, dentre eles destaco a obra La Filature, de Sophie Calle, e uma série de fotografias sem título de Francesca Woodman.
Na obra de Calle, a artista, após uma ruptura afetiva (término de um romance) pede a sua mãe para que contrate um detetive para segui-la e fotografá-la, realizando anotações acerca de seus movimentos. Esse trabalho me é empático no sentido de pensar esse desejo que a artista teve de ser observada, de ser seguida, de ter alguém que, de certa forma, está acompanhando seus passos, ainda que não possa ser visto. Acredito que essa presença espectral que me acompanha é parecida coma presença que julgo ter estado com Sophie Calle nas quatro semanas em que optou por ser seguida.
Já na obra de Francesca Woodman, interessa-me o uso de elementos que a artista emprega para esconder o rosto, sobretudo os espelhos. A questão do rosto me interessa profundamente, sua dialética de muro branco-buraco negro1 de esconde/revela, fino véu semi-translucido que cobre uma parede branca e, ao mesmo tempo, desenha nela sua sombra/afresco. Uma citação que exprime isso é a frase de Didi-Huberman acerca do afresco de Fra Angelico :
“É preciso deixar por um momento tudo o que acreditamos ver porque sabíamos nomeá-lo e voltar a partir daí ao que nosso saber não havia podido clarificar.[...] Lembraremos aquela impressão paradoxal de que não havia grande coisa a ver. Lembraremos a luz contra nosso rosto e sobretudo o branco onipresente –esse branco presente do afresco difundido em todo o espaço da cela. O que vem a ser essa contraluz e o que vem a ser esse branco? A primeira nos orçava a nada distinguir inicialmente, o segundo esvaziava todo espetáculo entre o anjo e a virgem como se entre seus dois personagens Angelico simplesmente havia posto nada. Mas dizer isso é não olhar, é contentar-se em buscar o que haveria a ver. Olhemos, não há o nada pois há o branco branco. Ele não é nada, pois nos atinge sem que possamos apreendê-lo e nos envolve sem que possamos prendê-lo nas malhas de uma definição. Ele não é visível, tampouco é invisível. Ele é matéria; é um onda de partículas; é um polvilhar de partículas calcárias”. (DIDI-HUBERMAN)
Retomando a questão do rosto na obra de Francesca, esse questão de esconder o rosto com um espelho é para mim extremamente poética e significativa (e um tanto lacaniana), e me remete imediatamente a minha própria experiência. Por muito tempo, me senti culpado por não lembrar do rosto de minha mãe, como se, ao esquecê-lo, estivesse ao mesmo tempo esquecendo-a. Ao olhar suas fotos antigas, sentia-me profundamente triste. Demorou muito para que pudesse me confrontar com o rosto da minha mãe sem que eu chorasse (curioso pensar que ver o rosto dela implicava diretamente em uma transformação do meu próprio rosto). Lembrar seu rosto, vê-lo, era lembrar que eu perdi minha mãe, esse sentimento “abstrato” de perda se materializava, encarnava. Tinha nome, tinha peso, tinha rosto.
No entanto, encontrei nas palavras de Gilles Deleuze e Felix Guattari certo conforto, quando este fala da questão da “rostidade”, palavras estas que acredito encaixarem-se também na obra de Francesca Woodman, eles dizem :
“A cabeça está compreendida no corpo, mas não o rosto. O rosto é uma superfície: traços, linhas, rugas do rosto, rosto comprido, quadrado, triangular; o rosto é um mapa, mesmo se aplicado sobre um volume, envolvendo-o, mesmo se cercando e margeando cavidades que não existem mais senão como buracos. Mesmo humana, a cabeça não é forçosamente um rosto. O rosto só se produz quando a cabeça deixa de fazer parte do corpo, quando pára de ser codificada pelo corpo, quando ela mesma pára de ter um código corporal polívoco multidimensional — quando o corpo, incluindo a cabeça, se encontra descodificado e deve ser sobre-codificado por algo que denominaremos. Rosto” (DELEUZE e GUATTARI).
A questão da “rostidade” se insere assim na dinâmica do tempo messiânico de Agamben, anteriormente citado, no sentido de que, ao examinar a rostidade como um paradoxo, como um sistema muro branco-buraco negro nos vemos defronte de um espaço/tempo/rosto não muito bem definido que, de certa forma, se relaciona com a questão da inelutável cisão do ver que Didi Huberman tão bem explicitou. Mas dito de outra forma, eu lembro de minha mãe, lembro de sua imagem, lembro de coisas que fizemos juntos, mas não lembro de seu rosto físico, eu vejo minha mãe, sei como ela é, lembro de seus cabelos, de seus olhos, mas não lembro de seu rosto, o signo “rosto” nesse caso para mim é limitador. Uma foto de minha mãe é para mim a incorporação deste paradoxo Didi-Hubermaniano: a imagem esta lá mas eu a vejo mesmo sem olhar.
Poderia aqui citar a célebre frase de James Joyce que Didi-Huberman usa, mas creio que nas palavras de Henry Miller, citado por Deleuze, que encontro a melhor definição para o que aflige a mim e a Francesca. Diz ele:
“Eu não olho mais nos olhos da mulher que tenho em meus braços, mas os atravesso nadando, cabeça, braços e pernas por inteiro, e vejo que por detrás das órbitas desses olhos se estende um mundo inexplorado, mundo de coisas futuras, e desse mundo toda lógica está ausente. (...) Quebrei o muro (...), meus olhos não me servem para nada, pois só me remetem à imagem do conhecido. Meu corpo inteiro deve se tornar raio perpétuo de luz, movendo-se a uma velocidade sempre maior, sem descanso, sem volta, sem fraqueza. (...) Selo então meus ouvidos, meus olhos, meus lábios" (DELEUZE e GUATARRI)
Ficou claro pra mim no decorrer da escrita deste texto (e até mesmo antes, por suas motivações) que pensar sobre o tempo pede quase que automaticamente que se pense em memória. Não queria, no entanto, tratar da memória aqui como um fenômeno intrinsecamente ligado ao passado, como uma espécie de nostalgia ou saudosismo. Por isso decidi começar esse texto falando de noções de tempo messiânico que, apesar do que o nome possa sugerir, implica num experiência temporal onde o passado (memória) e o futuro (messias) se tornam irrelevantes, onde o tempo é o agora. Não se trata mais de um tempo fluido mas um tempo cristalizado.
Tendo isso em mente, acho oportuno introduzir dois conceitos que Deleuze apresenta em um de seus livros sobre cinema, a saber: imagem-cristal e imagem-lembrança. A imagem-cristal se relaciona diretamente com a proposição desse trabalho que é indagar como podemos pensar e perceber) o tempo de maneira diferentes, e, principalmente destacar o papel fundamental que a subjetividade tem nesse processo.
A imagem-cristal não é o tempo, mas vemos o tempo no cristal. Vemos a perpétua fundação do tempo, o tempo não cronológico dentro do cristal, Cronos e não Chronos. [...] O que o cristal revela ou faz ver é o fundamento oculto do tempo, quer dizer, sua diferenciação em dois jorros, o dos presentes que passam e o dos passados que se conservam. De uma só vez o tempo faz passar o presente e conserva em si o passado. Há portanto duas imagens-tempo possíveis,uma fundada no passado, outra no presente. Ambas são complexas e valem para o conjunto do tempo. (DELEUZE)
Acredito que até aqui tenha dado conta de mencionar trabalhos nas artes visuais que demonstram essa condição temporal a que Deleuze se refere. Entretanto, um outro exemplo mais claro é o filme Melancholia, do cineasta dinamarquês Lars Von Trier. Resumidamente, o filme trata de um planeta, chamado Melancolia, que vem em direção à Terra e, como consequência do impacto, nosso planeta e seus habitantes seriam aniquilados. Sem nada que se possa fazer, os personagens se veem obrigados a lidar com esse presságio apocalíptico.
A trama se constrói em torno de duas personagens, as irmãs Justine e Claire, que operam na construção de uma dialética que estrutura o filme. Ao descobrirem o fim eminente, as duas irmãs adotam posturas antagônicas: Claire se desespera com o prenúncio do fim e com as fatalidades que ocorrem a sua volta, Justine cai em um apatia (ou seria uma melancolia?) quase desumana e aceita o fim como uma tragédia irremediável, tanto que parece demonstrar serenidade até o final. Na cena final, que nesse filme vem na abertura, vemos o momento em que o planeta se choca contra a Terra. Enquanto a cena final de Claire é correr em desespero agarrando o filho em seus braços, a cena final de Justine é flutuando em rio vestida de noiva, calma, plácida. Já não se trata de Justine e sim de Ofélia.
Esse personagem trágico Justine-Ofélia, ao se defrontar com o morte, experimenta um estado de serenidade que só é possível acessar em face do fim. Trata-se de experimentar o tempo de agora, de entrar nessa esfera de tempo não cronológico a que venho me referindo aqui. Trago novamente as palavras de Agamben que definem esse tempo (que para ele seria o tempo messiânico): “O tempo messiânico não é o tempo do fim, não é o tempo do juízo final mas a relação de cada instante com o fim e com a eternidade”.
A memória também é algo que Deleuze discute em seu livro, e a relação das imagens-cristal com a memória se d’s por meio do que ele chama de imagens-lembrança. Imediatamente ao se falar de memória o que vem a cabeça é a idéia de flashback, que seria uma lembrança do passado que se faz real no presente (ainda que em forma de pensamento) e, de certa maneira, isso está correto como o próprio Deleuze afirma no livro, cito: “A relação da imagem atual com imagens-lembrança aparece no flashback. Este é, precisamente, um circuito fechado que vai do presente ao passado, depois os traz de volta ao presente”.
Mas o conceito de memória que quero trabalhar, e que é a que Deleuze se refere ao falar de imagem-lembrança, pode ser mais relacionado como o dejavu do que com o flashback, no sentido de que a memória aqui não se insere como projeção imagética de algo que passou, mas como a inserção do sujeito-presente em uma situação passado.
Acho que esta esfera onírica de recordação pode ser observada no vídeo “Answer Me” do artista Anri Sala que retrata dois cenários distintos: um homem tocando bateria de costas (alguns frames mostram relances do seu rosto) e uma mulher que nos intervalos da bateria fica repetindo “answer me” (me responda). A mulher e o homem não ficam no mesmo ambiente ate o final do vídeo, no entanto fica clara que há uma conexão entre eles.
Não fica claro se há uma distância temporal entre eles ou somente espacial, porém a clara distância afetiva que há entre as personagens estabelece que o momento em que se encontram é perpassado por outros momentos (passados) onde a conjectura dos dois fora diferente. Ela diz, “responda-me”. Silêncio. Ele toca a bateria. Ela pede, “responda-me”. Silêncio.
A situação aqui pode ser comparada a relações de perda como a minha. A situação que a personagem enfrenta é tal como quando olho uma fotografia antiga de minha mãe. Nos primeiros meses em que ela morreu, eu gostava de olhar as fotos e mexer nas coisas dela, era como dizer, “responda-me”. Silêncio.
As lembranças muitas vezes entram violentamente em minha vida sem que eu possa impedi-las2. Quando passo em frente a casa da minha vó, que se transformou em um salão de festas após sua morte, ou quando vejo em minha casa coisas que pertenciam a minha mãe sou invadido por essas memórias. Não me refiro aqui a um sentido de saudade ou de tristeza, mas uma memória disruptiva que me faz enxergar sinais de suas presenças ainda que não estejam mais aqui.
Acho que o trabalho de Eija Liisa-Ahtila consegue sintetizar isso de maneira que eu não posso. A artista faz uma série de vídeo-instalações sobre mulheres que tiveram colapsos nervosos. Em um desses vídeos, The House, a artista mostra uma mulher que, após o colapso, tem dificuldades de separar a realidade de sua imaginação, seus desejos e suas memórias. Em uma das cenas, a personagem aparece tapando as janelas pois, segundo ela, “não conseguia se livrar dos sons, então ao menos ia se livrar das imagens”. Ao tomar café da manhã, ela era assombrada por barulhos náuticos que a transportavam até um píer. As imagens do vídeo mostram então barcos navegando no mar. Para onde a mulher foi? Onde estou?
Todo esse trabalho se baseia na investigação da subjetividade como fator decisivo na experimentação do tempo, logo é interessante notar que no contemporâneo tem se notado uma frequente sensação de aceleração da vida cotidiana, a sensação de que nunca há tempo suficiente para se realizar plenamente os objetivos. Eis um fator decisivo na maneira de experimentar o tempo e até mesmo a própria vida.
A flexibilização do trabalho e as burocracias do cotidiano tendem a produzir nos corpos uma apatia que faz com que adotem comportamentos autômatos e se comportem de maneira indiferente a momentos do cotidiano que poderiam ser usados como fator de experimentação/vivência. Um exemplo disso é descrito pelo antropólogo Frances Marc Augé quando este se refere aos chamados não-lugares2.
Paula Sibila fala de como a otimização e capitalização do tempo nas sociedades de consumo alienam os corpos e desvalorizam a subjetividade dos indivíduos a fim de exercer controle na vida e implantar o capitalismo e o regime de trabalho nos níveis mais profundo da intimidade dos sujeitos.
“As sociedades industriais desenvolveram toda uma serie de dispositivos destinados a moldar os corpos e as subjetividades de seus cidadãos , a fim de extrair deles o maior proveito possível” (SIBILA)
Desta forma, trabalhos como o de Vivian Caccuri e Maikon K, que propõem imersões performáticas, passam despercebidos. O trabalho de Vivian leva em média oito horas de participação do público e o de Maikon quatro. Como, em um regime onde cada instante conta (“time is Money”), se sujeitar a uma experiência que necessite de um maior envolvimento e disponibilidade?
Lembro-me de que quando participei do trabalho de Maikon K, no MAM, uma das outras participadoras me falou “E quem tem tempo para vir ao MAM, no sábado, para ficar quatro horas vendo performance ?”. Lembro que minha resposta foi algo como “pois é justamente essa a questão ”. O artista, acredito eu, está bem ciente da demanda temporal de seu trabalho e isso é um fator decisivo. Claro que seria ingenuidade pensar que isso também se torna uma barreira que impede determinados indivíduos de vivenciarem essas práticas.
O domínio do tempo dos indivíduos pela sociedade industrial acarreta concomitantemente o domínio das subjetividades e dos afetos à medida que limita o sujeito de estar como público/ participador de determinados trabalhos ou experimentá-los de maneira reduzida. Já na década de 1960, artistas como Andy Wahrol expunham esse caráter dominador do tempo, como em seu vídeo intitulado Empire, em que Wahrol mostra um plano-sequência do edifício Empire State em looping por oito horas. Não é preciso dizer que ninguém ficou para ver.
Todos os trabalhos e artistas são aqui citados pelo modo em que entraram em contato comigo e como me modificaram/ afetaram/ inquietaram. De certa forma, este texto acabou por ser uma cronometagem afetiva das cosias que me interessaram do período em que comecei a escrita até o momento em que terminei. E, na verdade, este texto não está terminado. Se o presente leitor sentir que algo falta, gostaria de informar-lhe que partilho do mesmo sentimento. Mas por questões de apresentação, é necessário que se faça um recorte agora. Quem sabe no futuro possa novamente abortar esse artigo e novamente abandoná-lo incompleto. Sempre falta tempo.
É sempre uma questão de tempo.
Notas
A expressão que uso aqui tem sua origem no texto Ano zero: Rostidade de Gilles Deleuze e Felix Guattari presente no Volume 3 dos Mil platôs: um rosto: sistema muro branco-buraco negro. Grande rosto com bochechas brancas, rosto de giz furado com olhos como buraco negro. Cabeça de clown, clown branco, pierrô lunar, anjo da morte, santo sudário. O rosto não é um invólucro exterior àquele que fala, que pensa ou que sente (…). Uma criança, uma mulher, uma mãe de família, um homem, um pai, um chefe, um professor primário, um policial, não falam uma língua em geral, mas uma língua cujos traços significantes são indexados nos traços de rostidade específicos.
[...] as imagens-lembrança já intervêm no reconhecimento automático: inserem-se entre a excitação e a resposta, e contribuem para ajustar melhor o mecanismo motor, reforçando-o com uma causalidade psicológica. Mas, nesse sentido, elas intervêm apenas acidental e secundariamente no reconhecimento automático, na medida em que são essenciais ao reconhecimento atento: este se faz por meio delas. Quer dizer que, com as imagens-lembrança, aparece um sentido completamente novo da subjetividade. (Deleuze)
Bibliografia
AGAMBEN, Giorgio. El tiempo que resta: Comentatio a la carta a los Romanos Traducción de Antonio Piñero . Madri: Ed. Trotta, 2006.
AUGÉ, Marc. Não-Lugares, Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução : Maria Lúcia Pereira Campinas: Papirus Editora, 2012.
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Felix. Ano zero: Rostidade. In: Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia Vol.3 . Tradução de Aurélio Guerra Neto; Ana Lúcia de Oliveira; Lúcia Cláudia Leão; Suely Rolnik. São Paulo: Editora 34,1996, pp. 30- 31. Disponível em: http://ghiraldelli.pro.br/wp-content/uploads/Gilles-Deleuze-Mil-Plat%C3%B4s-Vol.-3.pdf.
DELEUZE, Gilles. Cinema 2: A imagem-tempo. Tradução: Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo, Editora Brasiliense 2005.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2013, p 24.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos , o que nos olha. São Paulo, Editora 34
REZENDE, Diogo. “Passando o Tempo: Considerações Sobre Arte/Vida na Obra de TehchingHsieh”. eRevistaPerformatus, Inhumas, ano 4, n. 16, jul. 2016. ISSN: 2316-8102.