Wile E. Coyote and the Road Runner, Fast and Furry-ous Warner Bros Entertainment Inc., 1949 (Frame).
Tudo o que vemos ou parecemos
Não é senão um sonho dentro de um sonho?1
É comum ao estudar a história do chamado “primeiro cinema” se deparar com o fato que - acredita-se – teria ocorrido durante a exibição do filme A chegada de um trem na estação Ciotat (L´arrivée d´um train em gare de La Ciotat, 1895) dos irmãos Lumière. Os espectadores, tão assustados com o fenômeno da imagem-movimento, saíram em desespero da sala de exibição por achar que o trem estaria efetivamente vindo em sua direção. Se esse episódio ocorreu mesmo ou não é de menor importância, mas ele ilustra a relação primordial que a Imagem tece com o real.
Na “videoinstalação” de Fabiano Mixo, se é que podemos chamar a estrutura imersiva que ele apresenta como videoinstalação, o artista transpõe por meio dos óculos de realidade virtual a estação de metrô da Central do Brasil para o espaço expositivo. Como o próprio título da exposição sugere, há um diálogo direto com a história do cinema, em especial com a mencionada obra dos irmãos Lumière.
É necessário, acredito, que falemos brevemente sobre a questão da perspectiva ao longo da história da arte, mais objetivamente a que se refere à imagem-movimento para que a obra de Fabiano não caia numa fetichização das novas mídias e das tecnologias. Durante o Renascimento, a perspectiva criou a ilusão de profundidade, convertendo a tela de plano em “janela”. A tela de cinema, mais tarde, operaria por esse mesmo mecanismo ao hipnotizar2 o espectador e criar para ele um ambiente3 onde a ilusão é sustentada.
Há correntes do cinema contemporâneo que se colocam para além dessa característica hipnótica que opera entre a relação tela/projeção-espectador-ficção, como é o caso do chamado pós-cinema ou cinema expandido, que emprega antes um dispositivo de imersão do que a hipnose em si. Claro que a hipnose pode ser encarada como uma imersão no próprio subconsciente, mas como observa Tadeu Capistrano, o espectador hipnotizado, que ele identifica como o “fantoche sensorial”, se vale de uma certa tendência automática de reagir institivamente ao movimento que, nas práticas de imersão, é substituído por um pensamento consciente, logo não automático, de seus estímulos e de seus atos, porém absorto pela matrix que o envolve.
Já nos anos 1980, filmes como ExitenZ e Videodrome (além do clássico Matrix que bebe da fonte destes) já anunciavam que a tendência da imagem-movimento era de se articular de modo que se confundisse com a realidade, de maneira que, muitas vezes, o espectador não conseguisse identificar se aquilo que ele vê seria ou não ficção. A partir disso, podemos pensar o quão de real há na ficção e vice-versa.
L`arrivée d´um train em gare de La Ciotat, Auguste e Louis Lumière, 1895 (frame)
Videodrome,David Cronemberg, 1983 (frame)
Fabiano Mixo, Cartas a Lumière, Oi futuro, 2017.
1-POE, Edgar Allan. The dream within a dream. In : The Works of Edgar Allan Poe, The Raven Edition, Volume 5. New York: P. F. Collier and Son. 1903 (traduzido pelo autor) Is all that we see or see /But a dream within a dream? Disponível em : http://etc.usf.edu/lit2go/147/the-works-of-edgar-allan-poe/5270/a-dream-within-a-dream/ Acessado em 03/07/2017.
2- Para falar sobre a hipnose do espectador uso como base o ensaio de Tadeu Capistrano (CAPISTRANO, Tadeu. A história do cinema nas páginas da loucura ; o espectador , a imagem e a dissociação. In: Arte&Ensaios n°22. Rio de Janeiro; Universidade Federal do Rio de Janeiro,2011. Disponível em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/05/ae22_tadeu_capistrano.pdf. Acesso em 03/07/2017).
3- Ambiente cinematográfico no sentido explicitado por Hollis Frampton quando este exemplifica como o espaço cinematográfico influi para a imersão espectatorial como demonstrado nessa passagem do texto/performance A lecture (uma leitura) apresentada no Hunter College, New York 30/10/1968. Disponível em https://www.criterion.com/current/posts/2264-a-lecture. Acessado em 03/07/2017
Please turn out the lights.
As long as we’re going to talk about films, we might as well do it in the dark.
We have all been here before (...)No, not in this very room, but in this generic darkness, the only place left in our culture intended entirely for concentrated exercise of one, or at most two, of our senses.
We are, shall we say, comfortably seated. We may remove our shoes, if that will help us to remove our bodies. Failing that, the management permits us small oral distractions. The oral distractions concession is in the lobby.
So we are suspended in a null space, bringing with us a certain habit of the affections. We have come to do work that we enjoy. We have come to watch this.
The projector is turned on.