Diante da inauguração da Galeria Curto Circuito de Arte Pública, parceria da Escola de Belas Artes (EBA) junto ao Parque Tecnológico da UFRJ, escrevo este texto a fim de questionar as estratégias de humanização e ocupação do Parque, assim como os recursos artísticos apresentados na galeria a céu aberto e na mostra “Distâncias”. Neste ano, em setembro, patrocinada pela empresa Vallourec, a galeria fez um convite ao público: “Percorra o caminho da arte, tecnologia e inovação. Em cada esquina do parque, uma surpresa”.
Ao longo da cerimônia de abertura o diretor da EBA, Carlos Terra, pronunciava: “A Galeria é uma plataforma de ações dedicadas à interação entre negócios, ensino, pesquisa e extensão no campo da economia criativa”. É curioso observar que a maioria dos trabalhos – submetidos ao edital de qualificação gerenciado pela Direção Adjunta de Cultura consentido pelo Parque Tecnológico – vale-se da interatividade com o público como premissa. A mecanização dos princípios de coletividade e interação pode ser prejudicial? Deduzir o comportamento humano diante da obra, interpretá-lo previamente e moldá-lo é regra ou exceção mercadológica?
De acordo com o diretor financeiro da empresa Vallourec no Brasil e colecionador de arte, Manfred Ernst Leyer, precisa-se da inserção de iniciativas artísticas nas gestões de empresas de tecnologia. Para ele, arte é capaz de trazer às pessoas: “sensação de beleza intrínseca”, “senso de paz e de revolta” e noção da “necessidade de combinar, de se encaixar e de inserir”. O contato permanente das artes plásticas com qualquer especialista resulta no encontro de soluções inteligentes, simples, abrangentes, sustentáveis e prudentes. Economicamente viáveis. “A boa solução é aquela que tem beleza intrínseca, como uma obra-prima de arte”. Ou seja, funcionários com o senso de arte são aqueles sensatos e comprometidos, que têm interesse em envolver-se em tais soluções.
A meu ver, tais discursos tentam atribuir funcionalidade e sentido à arte. Fazem-me pensar sobre o recente cancelamento da mostra “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” e na polêmica em volta a performance “La Bete” do artista Wagner Shwartz. Desde então, há discussões incessantes sobre o que é ou o que deixa de ser arte. Basta. É preciso entender as perplexidades da linguagem artística e respeitá-la em seu território indefinido.
Contudo, o que significa a inserção de projetos artístico-visuais no Parque Tecnológico? E o súbito interesse de empresas na EBA? O pretexto de humanização do Parque, de criar espaços interativos, denuncia a compreensão de arte como puro entretenimento ou como instrumento de manobra? Seria intuito apenas atrair estudantes a participar e colaborar com a comunidade estudantil? Se esse é o caso, por que não incentivar ações ativamente reflexivas sobre infraestruturas deterioradas da universidade, como os prédios negligenciados da reitoria e alojamento estudantil?
Na galeria a céu aberto apenas o trabalho “Qual tamanho do vazio?” dos artistas Mônica Coster e Rafael Lima tange a questão do atual prédio incendiado da reitoria da UFRJ. Isso indicaria uma atitude artística prosterna a empresa para que, enfim, os trabalhos ocupem espaços e se tornem minimamente visíveis? Estar nesse local enaltece um ambiente que é dirigido por um conselho restrito que perpetua privilégios e controla a qualidade dos trabalhos expostos, sem nenhum poder de escolha real da comunidade universitária?
Decerto, essas perguntas podem ser respondidas das formas mais ambíguas. De qualquer maneira, ter a oportunidade de expor e, ao mesmo tempo, contar com assistência técnica refinada, surpreende. No contexto de escassez de recursos e investimentos na área, o artista é conduzido a participar de um cenário estreito e dicotômico, que desvanece o pensamento crítico da vivência artística.
Apesar disso, a mostra “Distâncias” instalada no espaço LAMCE, Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia, demostra o potencial de artistas quando confrontados com materiais e instrumentos tecnológicos. O trabalho de Maira Fróes, por exemplo, busca por meio de um aparelho sensor de movimentos (Kinect) e a exposição das coordenadas triplas (xyz) rearticular o entendimento abstrato do sistema cartesiano.
As limitações discursivas e interpretativas, análogas à automatização das práxis, são desafiadoras. E o acesso reduzido a ambientes tecnológicos nos torna suscetíveis a ações dissimuladas. Por isso, investigar processos autônomos é imprescindível. Afinal, fomenta senso crítico.
Voltada para o prédio da Reitoria da UFRJ, “Qual tamanho do vazio?” mostra uma imagem do edifício manipulada digitalmente, como se não tivesse havido incêndio.